AOS DEZESSETE
Ok. Malu, fugiu de casa, curtiu , sofreu , mas teve que retornar. Estava alí , já havia dois anos, dois anos perdida naquele lugar, naquela estranha e nova cidade,naqueles pensamentos.
Ainda hoje, depois de tantos anos, consegue definir as imagens que via quando pegava o onibus de manhã para sua aula e ia seguindo no olhar àquelas ruas, edificios...cheiros e coisas, paisagens de sua janela do onibus totalmente desconectadas com seu pensamento, paisagens estranhas, nem por isso deixavam de ser belos, mas estranho porque não lhe eram nada familiares. Lugares frios, pessoas frias, coisas geladas. Tudo era muito longe dela, a sua vida estava em outro lugar. Perdida no seu próprio mundo de incertezas e todo o resto desconectado dela mesma. Não sabia dizer ou definir seus objetivos e isso sempre lhe angustiava. Parece que todo mundo sabe o que quer da vida, mas ela se perguntava e nada sabia...isso realmente lhe angustiava...
Malu lembra de uma época que a propaganda de cigarros ainda não era proibida e havia um comercial que sempre lhe martelava à cabeça. Por um bom tempo na sua vida lhe cobrava o que aquele comercial de cigarros dizia e dizia assim: (nome do cigarro, era minister )” Minister ,para quem sabe o que quer. Quem sabe o que quer vai mais longe, minister! “ Essa frase perturbou-a por muitos anos, porque ela ficava se perguntando o que realmente desejava? O que queria? Simplesmente não conseguia definir nada, nada e nada! Isso a angustiva e já fazia se sentir fracassada antes sequer de ao menos se saber o que ela desejava....essa sensação de não conseguir se definir a fez sentir desde cedo uma sensação muito forte de fracasso, afinal ela não iria muito longe na vida, porque a frase martelava....martelava....pois é, veja a força que tem um comercial de televisão desde cedo na mente das pessoas...uma criança...a sensação de fracasso obviamente não era proveniente daquele comercial, e sim possuía raízes mais profundas dentro de sua alma, mas ela não sabia disso, não conseguia ver nada.
Agora com dezessete e desde o comercial, devia ter uns quatorze anos....não lembra....já pensava sobre o assunto. Mas como nada lhe vinha em mente, uma vida sem uma causa, sem nexo, sem objetivos....afinal, quando alguém tem objetivos? Afinal, Malu ainda era uma criança...adolescente...desde sempre se questionando e cobrando dela mesma uma posição na vida que não sabia dizer a sí mesma qual era....apenas se sentia de fora , sempre ao lado de fora...
Imaginem que isso era anos 80 , inicio, não havia, ao menos aqui no Brasil, computadores, celulares, essa interatividade toda, as pessoas eram menos informadas, nem por isso mais ou menos solidão, não é essa a questão. A questão é que hoje os adolescentes nem sabem mais ficar sozinhos consigo mesmos. Ou estão na frente do computador, ou passam horas no celular ou estão dormindo. Malu só ficava com ela mesma, sem celular, nem computador, apenas ela mesma. Talvez isso tenha sido muito ruim....ou talvez não...vá saber...ninguém sabe...a solidão era até boa companhia, pois quando estava só estava em silencio, pensava ela, só que esse silencio talvez não fosse o “bom silencio” era apenas um silencio de ambiente, não de mente. Sua fuga era devorar toda a coleção da Agatha Christie, leu tanto que já decifrava essa autora, leu muitos livros best seller da época, pois sua mãe colecionava-os, lia livro que sequer compreendia, lia também Harold Robbins, adorava isso! Sua casa sempre fora muito barulhenta, sempre, por isso desde os quinze anos pensava: “Um dia iria morar sozinha...” Sentia um silencio inquisidor, perseguidor, talvez os pensamentos fossem apenas desejos de fuga, sonhos de qualquer adolescente, não sei dizer agora...mas Malu sempre estava só, dentro dela.
Agora com dezessete, terminava o colegial, terminava os estudos e ia fazer o que? Qual faculdade? Onde? Como? A idéia de morar sozinha estava tão dentro , um propósito tão forte...bom, então um propósito, um desejo ela conseguia visualizar. Mas naquele momento ela não tinha a menor consciência disso!
Desde os quinze anos, desde quando decidira fugir daquele jeito, (é o capitulo da fuga) imaginava que poderia logo logo estar só em sua casa. Ah! Um lugar só dela, quieto em paz, pensava.
Nessa época Malu havia lido um livro chamado Ilusões de Richard Bach , depois de ter lido e visto o filme Fernão Capelo Gaivota do mesmo autor – no livro , na capa do livro há uma pena azul, essa pena azul simbolizava um exercicio de materialização de uma idéia. Malu então decidiu se por à prova desse teste e pensou: Vou usar isso, vou mentalizar para que materialize meu sonho , meu desejo de morar só. Então num exercício de fé, intuitivamente e sem que ninguém soubesse, entrou numa loja de departamentos e escolheu um jogo de pratos rasos para cozinha e ao comprar mentalizou que esse jogo somente seria aberto quando estivesse em sua casa! Isso aos quinze. Ao chegar em casa, Malu escondeu aquilo dentro de seu guarda-roupa, deixou lá dentro um pacote fechado bem escondido para que não despertasse a curiosidade de sua irmã e esta destruísse o pacote. Ficou lá por um ano e meio, ou menos ou um pouco mais, não importa. O que aconteceu depois foi pura mágica do universo e Malu, estava provando disso conscientemente pela primeira vez em sua vida! Essa mágica foi incrivelmente fortalecedora para sua alma.
Ao término do colegial, ainda pensava o que pretendia cursar na faculdade, na verdade Malu não desejava entrar logo para a faculdade, ela experimentara algumas aulas num cursinho e realmente havia adorado o ambiente, as aulas , tudo! Então seu desejo era fazer um bom cursinho e depois viver a faculdade, afinal ainda se sentia insegura para entrar nesse universo de “adultos” porque faculdade parecia mundo de “adultos”. Pois é. Estava passando as férias de dezembro e janeiro do inicio do ano de 1983 na casa de sua avó numa pequena cidade distante a apenas 25 km mais ou menos de sua cidade natal. Martinópolis...uma pequena e pacata cidade do interior do estado de São Paulo. A avó instigava a neta, perguntando o que ela desejaria cursar, Malu pensava então em direito ou em psicologia ou até em marketing e propaganda, essa última opção, talvez a mais atraente para Malu, se ela não se engana, naquela época só devia ter na cidade de São Paulo, capital, o que parecia meio inviável como logistica financeira e talvez emocional, não sabe dizer ao certo os motivos que fizeram declinar de São Paulo, mas então ficou com a opção do direito e a avó dizia: “Vem cursar faculdade aqui em Prudente (Presidente Prudente) assim voce mora um pouco comigo afinal são somente 25 km de distância tem onibus toda hora...Malu pensou na possibilidade, ela gostava da avó, e também era uma oportunidade em ficar mais longe de casa...uma outra casa...quem sabe mais calma...sei lá...pensava....então fez a inscrição no vestibular, mas a idéia ainda era fazer cursinho em Campinas e finalmente adotar essa cidade, mas pelas artimanhas da vida, Malu passou e passou bem. É aquela estória de não se acreditar no próprio potencial, ou então quando a mente está relaxada ela trabalha melhor porque não havia pressão em passar em vestibular, afinal mal saíra do colégio, com dezesste na faculdade já? Naquela época , acreditem até passar em faculdade privada era mais difícil, a coisa toda era mais séria. Malu estudou em colegio público, era bom.
Então passou na faculdade, bom, frio na barriga, eis que os planos de morar com a avó diante do fato real de que estaria na faculdade mudaram. Temendo a reação da avó disse que pretendia morar sozinha na cidade de Presidente Prudente, quem sabe, talvez numa das casas que a avó possuia e alugava, pensou numa pequena casa que ficava num lugar perfeito para ela iniciar-se sozinha nessa aventura e com a sensação de proteção pela localização da casa. Falou para a avó: _ A casa que fica no meio da casa da Lidia, lá aquela casa é perfeita para mim. - A área parecia um mini-condominio de casas construídas pela avó e pela tia-avó. Na frente dois sobrados, sendo que um residia a tia , ao lado a avó alugava para uma clinica ou escritorio de arquitetura, aos fundos uma outra casa onde residia essa inquilina da avó a Lidia, uma pessoa maravilhosa que ficou por lá mais de dez anos e que era muito querida por todos, então Malu pensou na casinha que fica exatamente entre essas duas, bem no meio, escondida para quem passa na calçada. Na frente uma tia, uma inquilina e aos fundos uma outra inquilina amiga da familia há mutos anos, lugar perfeito pensou! _ Mas será que a avó iria apoiar? A avó ainda era das antigas...desejava ver a neta casar virgem, não tinha papos de avó moderna , foi repressora de sua filha, mãe da Malu por todos esses anos....como poderia apoiar uma idéia desse porte? Entretanto por mistérios da vida essa avó foi a primeira pessoa a dizer que gostara da idéia e ainda disse a Malu: _ Por que não me disse antes, acabei de alugar a casa para uma república de garotos? Mas no mesmo instante a avó se dispôs a resolver a questão. Deu meia-volta volver e depois de um dia ou dois chegou para a Malu e disse: _Questão resolvida, já “desaluguei” pode morar lá.
MINHA NOSSA SENHORA DOS DESABRIGADOS! MINHA NOSSA SENHORA DOS SEM TETOS! MINHA NOSSA SENHORA DOS SEM FAMILIA! MINHA NOSSA SENHORA DOS DESEJOS INSANOS!
A pena azul se materializou!
Vamos aos preparativos para iniciar-se à iniciação!
Vamos colocar os pratos nos devidos lugares, e foi o que aconteceu, aquele jogo meio velho já guardado foi aberto em sua nova e quieta casa, agora seu novo lar!
Por sugestão de uma amiga, esse capitulo também pode ser chamado de 'OS PRATOS DA NENI" rsrsrsrsrs
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